O que é bonito, é ser-se sensível. E solidário.
É uma ideia que passa muito hoje em dia.
E eu acho a ideia muito bonita.
Não fosse um pequeno pormenor.
Nem toda a gente é sensível… e muito menos solidária.
Ser-se sensível agora é um must, é bonito dizer que se chora nos filmes dramáticos, que se sente pena dos pobrezinhos, e que se passa mal os dias a pensar nos mineiros chilenos ou numa qualquer desgraça que passe incessantemente na tv na actualidade.
O que passa na cabeça de… vá 85% da população mundial quando vê uma tragédia qualquer na TV, tipo o sismo no Haiti, ou ainda mais recentemente o tornado em Tomar (aqui em Portugal), é algo do género “Coitados pah, que azar o deles… mas ainda bem que não foi aqui”, e depois voltam à vidinha deles. Eu faço parte desses 85%.
Oh, sim, olhem para mim de lado.
“O Ricardo é uma pessoa horrível”
Nem vejo aonde está aí a maldade, é perfeitamente normal não se sentir as coisas se não nos acontecerem a nós. Eu não gosto de que aconteçam desgraças aos outros, mas muito sinceramente não me ponho a chorar feito uma Maria Madalena cheio de pena de pessoas que não conheço. Nem me cabe na cabeça que haja muita gente que o faça.
Sei que há pelo mundo pessoas que realmente se importam muito com o bem-estar dos outros, tanto ou mais do que o dos seus entes queridos e de si mesmo, mas não é o meu caso e nem seria hipócrita em dizer que agora vou dormir pior porque a ajuda de berço está em riscos de fechar.
Tenho alguma pena e até um sentimento de empatia instintivo com quem está a sofrer, mas a não ser que me seja próximo, não me verão a dramatizar nada.
Um bom exemplo de como ser sensível “vende” são os programas da manhã – os famosos programas das velhotas – em que vão para lá pessoas com historias de vida muito dramáticas, muito tristes e infelizes, e que passam meia hora a vomitar tudo cá para fora.
E os apresentadores acabam por fazer o papel de quem se importa imenso, e de quem constrói uma ligação com a pessoa, só por ela estar em sofrimento.
Não é por nada, a empatia e a cumplicidade até se compreende que se crie, mas começar a chorar porque o filho da dona Arminda lhe deu com um tacho na cara é chorar lágrimas de crocodilo, principalmente porque toda a gente sabe que os apresentadores se estão positivamente cagando para a vida infeliz da Dona Arminda mal acaba o programa, e que só voltam a pensar nela se as audiências justificarem.
A Fátima Lopes é o exemplo perfeito de uma pessoa pseudo sensível (a quem eu tenho uma espécie de birra inexplicável.)
Quem fala em Pessoas sensíveis e preocupadas com o próximo, faz logo a associação de pessoas caridosas.
O que está na moda é apoiar uma causa. Ser solidário/caridoso.
Sim, o que importa hoje em dia, é as pessoas mostrarem que se preocupam.
O que interessa é que as outras pessoas saibam o quão altruístas somos, e que nos importamos com a desgraça alheia, e que estamos lá para fazer um esforço quando alguém precisa de ajuda num momento de dificuldade.
Não precisam de dar a mínima para os problemas dos outros desde que apoiem boas causas.
Fica bem.
Estes últimos… 4(?) anos a Modalfa (cadeia de lojas de vestuário portuguesa, para quem não conhecer) lançou uma campanha em que vende uns cachecóis por cinco euros, e 2 euros revertem para… acho que é a APAV (associação Portuguesa de apoio à vitima).
E a Modalfa fica logo com uma outra imagem, porque é bonito ver uma grande marca apoiar uma causa.
Ninguém parece reparar que os cachecóis (que custam para aí 1 € de fabrico) são vendidos a 5 e que a modalfa fica com mais de metade.
O que importa é que vai algum para a caridade.
Eu compro sempre um ou dois cachecóis.
Mas é porque gosto de cachecóis.
Ninguém me garante que eles dão mesmo os 2€ ou se é só fogo de vista.
Isto porque ser solidário/caridoso está tão na moda como os cupcakes.
E isto irrita-me porque se perde muito a noção de verdadeira solidariedade.
Hoje em dia não se faz caridade, faz-se autopromoção.
Em vez de pagarmos por campanhas publicitárias para manter a imagem, vamos a um grande evento de caridade.
E vá de publicitar, assim é que é bonito.
O que é bom é verem-nos a ajudar o próximo, em vez de fazermos doações anónimas, ou ajudarmos sem dizer a ninguém, porque afinal a caridade é uma actividade egoísta.
Passo a explicar.
Há pessoas que a dada altura se sentem mal consigo mesmos, a consciência pesa por não serem tão boas pessoas como gostariam.
Então pegam e fazem caridade.
É simples.
Dão a cara por uma causa, contribuem com dinheiro, fazem voluntariado, you name it.
Por mais que me digam que é pelo bem do próximo, vejo a maioria da caridade como um xanax para a consciência pesada.
Faz-se quando temos a consciência mais pesada, para aliviar a sensação de egocentrismo e de indiferença ao próximo.
Depois podemos voltar a cometer excessos, afinal já fizemos uma boa acção, não é?
A maior prova disso, é que toda a gente vira incrivelmente solidária na altura das festas Natalícias, e eu não engulo a do “Ah é porque é natal e toda a gente merece um natal desafogado” Isso é uma grande treta.
As pessoas preocupam-se mais no natal porque gastam mais dinheiro e a consciência pesa mais. Se cerca de 50% destas pessoas extremamente benevolentes no natal se lembrasse dos pobres no restante do ano, tínhamos muito menos pessoas na miséria, sim porque as pessoas carentes estão carentes o ano todo.
Não é só no natal.
Digo eu.
A verdadeira solidariedade para mim, é fazer o bem por outra pessoa sem se importar em mostrar que o fez ou sem ter o sentimento de cobrança (sim porque também há quem a faça por mesquinhez para aparecer e para fazer boa figura).
No fim de contas temos que ser realistas, nem toda a gente nasceu com uma índole sensível, e nem toda a gente tem capacidade de o ser sem forçar nada.
Eu sou sensível quando toca às pessoas mais próximas e chega.
Não tenho índole de madre Teresa de Calcutá. Posso ficar com uma certa pena, mas não será nada que me afecte a vida, e nem vou fazer espectáculo para impressionar as outras pessoas.
E vocês?
Pessoas sensíveis, conhecem muitas? E pseudo sensíveis?
Notam estas “ondas” de solidariedade?
Já fizeram muitas vezes caridade?
Consideram-se sensíveis? E solidários?
Concordam? Discordam?
Comentem!Leiam!Subscrevam!
PS: eu sei que tenho que responder aos comments todos do fim de semana. mas não me esqueci.
[A Ouvir: Beautiful Heartache - Shapeshifters]
[Humor:
Inspirado ]