terça-feira, dezembro 21, 2010

Atitudes modernas - pt.IV

O que é bonito, é ser-se sensível. E solidário.
É uma ideia que passa muito hoje em dia.
E eu acho a ideia muito bonita.
Não fosse um pequeno pormenor.
Nem toda a gente é sensível… e muito menos solidária.
Ser-se sensível agora é um must, é bonito dizer que se chora nos filmes dramáticos, que se sente pena dos pobrezinhos, e que se passa mal os dias a pensar nos mineiros chilenos ou numa qualquer desgraça que passe incessantemente na tv na actualidade.
O que passa na cabeça de… vá 85% da população mundial quando vê uma tragédia qualquer na TV, tipo o sismo no Haiti, ou ainda mais recentemente o tornado em Tomar (aqui em Portugal), é algo do género “Coitados pah, que azar o deles… mas ainda bem que não foi aqui”, e depois voltam à vidinha deles. Eu faço parte desses 85%.
Oh, sim, olhem para mim de lado.
“O Ricardo é uma pessoa horrível”
Nem vejo aonde está aí a maldade, é perfeitamente normal não se sentir as coisas se não nos acontecerem a nós. Eu não gosto de que aconteçam desgraças aos outros, mas muito sinceramente não me ponho a chorar feito uma Maria Madalena cheio de pena de pessoas que não conheço. Nem me cabe na cabeça que haja muita gente que o faça.

Sei que há pelo mundo pessoas que realmente se importam muito com o bem-estar dos outros, tanto ou mais do que o dos seus entes queridos e de si mesmo, mas não é o meu caso e nem seria hipócrita em dizer que agora vou dormir pior porque a ajuda de berço está em riscos de fechar.
Tenho alguma pena e até um sentimento de empatia instintivo com quem está a sofrer, mas a não ser que me seja próximo, não me verão a dramatizar nada.

Um bom exemplo de como ser sensível “vende” são os programas da manhã – os famosos programas das velhotas – em que vão para lá pessoas com historias de vida muito dramáticas, muito tristes e infelizes, e que passam meia hora a vomitar tudo cá para fora.
E os apresentadores acabam por fazer o papel de quem se importa imenso, e de quem constrói uma ligação com a pessoa, só por ela estar em sofrimento.
Não é por nada, a empatia e a cumplicidade até se compreende que se crie, mas começar a chorar porque o filho da dona Arminda lhe deu com um tacho na cara é chorar lágrimas de crocodilo, principalmente porque toda a gente sabe que os apresentadores se estão positivamente cagando para a vida infeliz da Dona Arminda mal acaba o programa, e que só voltam a pensar nela se as audiências justificarem.

A Fátima Lopes é o exemplo perfeito de uma pessoa pseudo sensível (a quem eu tenho uma espécie de birra inexplicável.)

Quem fala em Pessoas sensíveis e preocupadas com o próximo, faz logo a associação de pessoas caridosas.

O que está na moda é apoiar uma causa. Ser solidário/caridoso.
Sim, o que importa hoje em dia, é as pessoas mostrarem que se preocupam.
O que interessa é que as outras pessoas saibam o quão altruístas somos, e que nos importamos com a desgraça alheia, e que estamos lá para fazer um esforço quando alguém precisa de ajuda num momento de dificuldade.
Não precisam de dar a mínima para os problemas dos outros desde que apoiem boas causas.
Fica bem.
Estes últimos… 4(?) anos a Modalfa (cadeia de lojas de vestuário portuguesa, para quem não conhecer) lançou uma campanha em que vende uns cachecóis por cinco euros, e 2 euros revertem para… acho que é a APAV (associação Portuguesa de apoio à vitima).
E a Modalfa fica logo com uma outra imagem, porque é bonito ver uma grande marca apoiar uma causa.
Ninguém parece reparar que os cachecóis (que custam para aí 1 € de fabrico) são vendidos a 5 e que a modalfa fica com mais de metade.
O que importa é que vai algum para a caridade.
Eu compro sempre um ou dois cachecóis.
Mas é porque gosto de cachecóis.
Ninguém me garante que eles dão mesmo os 2€ ou se é só fogo de vista.

Isto porque ser solidário/caridoso está tão na moda como os cupcakes.

E isto irrita-me porque se perde muito a noção de verdadeira solidariedade.

Hoje em dia não se faz caridade, faz-se autopromoção.
Em vez de pagarmos por campanhas publicitárias para manter a imagem, vamos a um grande evento de caridade.
E vá de publicitar, assim é que é bonito.
O que é bom é verem-nos a ajudar o próximo, em vez de fazermos doações anónimas, ou ajudarmos sem dizer a ninguém, porque afinal a caridade é uma actividade egoísta.
Passo a explicar.
Há pessoas que a dada altura se sentem mal consigo mesmos, a consciência pesa por não serem tão boas pessoas como gostariam.
Então pegam e fazem caridade.
É simples.
Dão a cara por uma causa, contribuem com dinheiro, fazem voluntariado, you name it.
Por mais que me digam que é pelo bem do próximo, vejo a maioria da caridade como um xanax para a consciência pesada.
Faz-se quando temos a consciência mais pesada, para aliviar a sensação de egocentrismo e de indiferença ao próximo.
Depois podemos voltar a cometer excessos, afinal já fizemos uma boa acção, não é?

A maior prova disso, é que toda a gente vira incrivelmente solidária na altura das festas Natalícias, e eu não engulo a do “Ah é porque é natal e toda a gente merece um natal desafogado” Isso é uma grande treta.
As pessoas preocupam-se mais no natal porque gastam mais dinheiro e a consciência pesa mais. Se cerca de 50% destas pessoas extremamente benevolentes no natal se lembrasse dos pobres no restante do ano, tínhamos muito menos pessoas na miséria, sim porque as pessoas carentes estão carentes o ano todo.
Não é só no natal.
Digo eu.

A verdadeira solidariedade para mim, é fazer o bem por outra pessoa sem se importar em mostrar que o fez ou sem ter o sentimento de cobrança (sim porque também há quem a faça por mesquinhez para aparecer e para fazer boa figura).

No fim de contas temos que ser realistas, nem toda a gente nasceu com uma índole sensível, e nem toda a gente tem capacidade de o ser sem forçar nada.
Eu sou sensível quando toca às pessoas mais próximas e chega.
Não tenho índole de madre Teresa de Calcutá. Posso ficar com uma certa pena, mas não será nada que me afecte a vida, e nem vou fazer espectáculo para impressionar as outras pessoas.

E vocês?
Pessoas sensíveis, conhecem muitas? E pseudo sensíveis?
Notam estas “ondas” de solidariedade?
Já fizeram muitas vezes caridade?
Consideram-se sensíveis? E solidários?
Concordam? Discordam?
Comentem!Leiam!Subscrevam!

PS: eu sei que tenho que responder aos comments todos do fim de semana. mas não me esqueci.

[A Ouvir: Beautiful Heartache - Shapeshifters]
[Humor: Inspirado ]

6 comentários:

  1. Eu não sou assim muitoooooooooooo sensível.
    Mas toca-me bastante os animais e ver pobreza nas pessoas... por isso sempre que posso contribuo para instituições animais ou para o banco alimentar.

    Mas fora isso, quando é sismos, etc etc... olha, tenho pena e tal... mas a minha vida não para por causa disso!

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  2. É paradoxal... Por um lado, gosta-se de pessoas sensíveis, mas por outro, nem se gosta de pessoas muito sensíveis nem de pessoas pouco sensíveis. Ou seja, nunca estamos contentes, nem tentamos deixar de andar nesses extremos.

    Bom mesmo era aprendermos a manter o equilíbrio, sermos sensíveis e insensíveis conforme as situações.

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  3. Eu não preciso que seja Natal ou que haja uma catástrofe para ser solidária ou sensível a determinadas causas.
    Dou o que posso quando posso.
    Mas por exemplo consigo dar 5€ para uma instituição,mas não os dou a um mendigo.Ao mendigo hei-de dar comida e ele há-de comer à minha frente.
    Se sou solidária ou não,sensível ou não nem por acaso...Ricardo tira aqui as tuas conclusões: http://inesesp.blogspot.com/2010/12/pessoas.html

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  4. Já vi muita gente sensível:

    "olha, coitadinho do pretinho..."

    "que merda de mundo...lá está a TV a mostra aqueles desgraçados de aficanos cheios de moscas...Até me tira o apetite. Podiam passar isto a outras horas. ..."

    " até é giro...para deficiente..."


    e há mais...

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  5. Bem, eu dou mas não é preciso um alarido, a não ser que a causa mexa comigo como um sem abrigo a quem eu dei €10 e ele disse-me que eu lhe tinha assegurado mais um dia de vida... Eu entrei no carro e desatei a chorar a perguntar: " E a minha vida? Quem assegura?"

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  6. Dinona
    Ai os animais fazem me impressão, mas é como o outro. é só quando vejo, depois passa-me ao lado.
    é assim com tudo basicamente.
    BSL
    É. isso é muito giro. as pessoas nunca estão satisfeitas, mas ultimamente quanto mais sensível melhor. daqui a uns meses talvez mude sabe-se lá.
    Inês
    Deves ser das poucas xD, mas acho que assim é muito mais correcto. LOL sim, dar comida aos mendigos é tipo deixa-los todos lixados, porque geralmente eles querem dinheiro pra droga. mas pronto. isso é um aparte. depois leio, que só agora esta semana é que volto à vida blogosférica.
    M.
    Ai credo. que idiotices. umas boas lambadas eram uma bela ideia xD.
    pink
    É... esse comment até me deu ideia pra um post futuro, depois lês. por enquanto só digo que é giro pensar nos outros e que infelizmente pensarmos em nós parece cada vez mais recriminável não sei porquê.

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