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EDIT: Esqueci-me de dizer que isto é uma história ficcional. Qualquer semelhança com realidades é pura coincidência. não se preocupem comigo, não se passa nada de mal na minha saúde (que eu saiba)
Parece-me estranho, tudo está exactamente igual.
Uma palavra de seis letras, que dum sopro virou do avesso toda a minha vida. Não consigo estar na cama. Olho para o relógio despertador e vejo as horas. Seis da manhã. Uma manhã ironicamente luminosa, um ar abafado e sufocante que acentua o cheiro adocicado a especiarias proveniente da taça de pout-porri na cómoda. Mais uma das experiências de Alice, desta vez é aromaterapia. Diz que dá um sono mais descansado, mas acho que precisava de uma dose dez vezes maior para ter qualquer tipo de sono agora. Acendo um cigarro meio às escondidas e vou para a janela. Alice ainda dorme seminua na cama, os cabelos loiros num alvoroço despreocupado. Cancro. “Desculpe?”, foi a única palavra que consegui dizer, num falsete mal dominado, enquanto o médico de aspecto pachorrento e descontraído estudava a minha reacção. “Deve haver algum engano, só tenho andado com dores de estômago Sr. Doutor. Essas análises devem ter vindo trocadas”, argumentei com esperança de que tudo não passasse de um terrível equívoco. Mas não houve equívoco nenhum. Afinal não acontece só aos outros. Já vou no terceiro cigarro. É irónico, Alice sempre implicou com este vício. “Isso ainda te vai matar” diz sempre que me vê com um cigarro na boca, em tom autoritário. Acabo sempre por apagar o cigarro e dar-lhe um beijo, mesmo sabendo que ela vai reclamar com o sabor a fumo. Se ela soubesse… Mãos suaves envolvem-me a cintura, e sinto a sua bochecha de encontro ao meu ombro. O cheiro da sua pele parece acalmar a minha angústia momentaneamente. “Isso ainda te vai matar” reclama em tom brincalhão, tirando-me de seguida o cigarro da mão, e apagando-o no cinzeiro da sala. Sorri-me envolta no roupão púrpura que lhe ofereci no nosso aniversário. Destaca-lhe os olhos dourados e a pele sardenta das coxas. “Tenho fome, vou fazer torradas. Queres?” Pergunta com a sua voz musical. “Sim, claro, estou cheio de fome” minto. A última coisa que quero agora é ter de comer qualquer coisa… mas não a quero deixar perceber isso. Nunca tinha suado frio. Pelo menos não daquela maneira. Depois de uma semana de análises, o médico diz-me que estou em estágio 3. Nem sabia que haviam estágios. Dá-me panfletos sobre quimio e rádio terapia, que leio e deito no caixote do lixo da clínica. Diz-me que devo começar o tratamento o mais rápido possível, que há uma boa probabilidade de me curar. No caminho para casa ensaiei o discurso. Decorei praticamente todo o bendito panfleto sobre a quimioterapia. Ia sorrir e dizer a Alice que o cancro não é um bicho de sete cabeças. Ia fingir-me confiante e dizer que ia tudo acabar rapidamente, para não a assustar mais. “Estou grávida” disse enquanto me abraçava eufórica. Beijei-a e gritei de felicidade. Toda a preocupação evaporou-se naquele momento. Só existíamos nós os dois… bem nós os três. Quando adormeceu nos meus braços, radiante, resolvi que não lhe ia contar nada. Não quero que sofra por antecipação. E enquanto olho para ela a barrar as torradas com geleia de pêssego, como sabe que prefiro, peço a todas as divindades que conheço para que não ma tirem. Cancro. A minha batalha. Cancro.
Hoje vi no facebook que havia um concurso de textos aqui. então resolvi participar. quando tiver o link da participação partilho aqui, e vocês carregam no texto para votarem. Como usei o tema "segredos", fica também como participação deste mês na fábrica de letras. Votem saxavor, que eu nunca costumo pedir estas coisas, e pelo caminho subscrevam e gostem e essas coisas todas. [A ouvir: Realistic - Soulstice] [Humor: Inspirado]
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EDIT: Esqueci-me de dizer que isto é uma história ficcional. Qualquer semelhança com realidades é pura coincidência. não se preocupem comigo, não se passa nada de mal na minha saúde (que eu saiba)
Parece-me estranho, tudo está exactamente igual.
Uma palavra de seis letras, que dum sopro virou do avesso toda a minha vida.
Não consigo estar na cama. Olho para o relógio despertador e vejo as horas. Seis da manhã. Uma manhã ironicamente luminosa, um ar abafado e sufocante que acentua o cheiro adocicado a especiarias proveniente da taça de pout-porri na cómoda. Mais uma das experiências de Alice, desta vez é aromaterapia. Diz que dá um sono mais descansado, mas acho que precisava de uma dose dez vezes maior para ter qualquer tipo de sono agora.
Acendo um cigarro meio às escondidas e vou para a janela. Alice ainda dorme seminua na cama, os cabelos loiros num alvoroço despreocupado.
Cancro.
“Desculpe?”, foi a única palavra que consegui dizer, num falsete mal dominado, enquanto o médico de aspecto pachorrento e descontraído estudava a minha reacção.
“Deve haver algum engano, só tenho andado com dores de estômago Sr. Doutor. Essas análises devem ter vindo trocadas”, argumentei com esperança de que tudo não passasse de um terrível equívoco.
Mas não houve equívoco nenhum.
Afinal não acontece só aos outros.
Já vou no terceiro cigarro. É irónico, Alice sempre implicou com este vício. “Isso ainda te vai matar” diz sempre que me vê com um cigarro na boca, em tom autoritário. Acabo sempre por apagar o cigarro e dar-lhe um beijo, mesmo sabendo que ela vai reclamar com o sabor a fumo.
Se ela soubesse…
Mãos suaves envolvem-me a cintura, e sinto a sua bochecha de encontro ao meu ombro. O cheiro da sua pele parece acalmar a minha angústia momentaneamente.
“Isso ainda te vai matar” reclama em tom brincalhão, tirando-me de seguida o cigarro da mão, e apagando-o no cinzeiro da sala.
Sorri-me envolta no roupão púrpura que lhe ofereci no nosso aniversário. Destaca-lhe os olhos dourados e a pele sardenta das coxas.
“Tenho fome, vou fazer torradas. Queres?” Pergunta com a sua voz musical.
“Sim, claro, estou cheio de fome” minto. A última coisa que quero agora é ter de comer qualquer coisa… mas não a quero deixar perceber isso.
Nunca tinha suado frio. Pelo menos não daquela maneira. Depois de uma semana de análises, o médico diz-me que estou em estágio 3. Nem sabia que haviam estágios. Dá-me panfletos sobre quimio e rádio terapia, que leio e deito no caixote do lixo da clínica. Diz-me que devo começar o tratamento o mais rápido possível, que há uma boa probabilidade de me curar.
No caminho para casa ensaiei o discurso.
Decorei praticamente todo o bendito panfleto sobre a quimioterapia. Ia sorrir e dizer a Alice que o cancro não é um bicho de sete cabeças. Ia fingir-me confiante e dizer que ia tudo acabar rapidamente, para não a assustar mais.
“Estou grávida” disse enquanto me abraçava eufórica.
Beijei-a e gritei de felicidade. Toda a preocupação evaporou-se naquele momento. Só existíamos nós os dois… bem nós os três. Quando adormeceu nos meus braços, radiante, resolvi que não lhe ia contar nada.
Não quero que sofra por antecipação.
E enquanto olho para ela a barrar as torradas com geleia de pêssego, como sabe que prefiro, peço a todas as divindades que conheço para que não ma tirem.
Cancro.
A minha batalha.
Cancro.
Hoje vi no facebook que havia um concurso de textos
aqui.
então resolvi participar. quando tiver o link da participação partilho aqui, e vocês carregam no texto para votarem.
Como usei o tema "segredos", fica também como participação deste mês na fábrica de letras.
Votem saxavor, que eu nunca costumo pedir estas coisas, e pelo caminho subscrevam e gostem e essas coisas todas.
[A ouvir: Realistic - Soulstice]
[Humor:
Inspirado]
Sê Forte e Luta! Sempre! Coragem.
ResponderExcluirConversa com ela...
Isis
ResponderExcluirOh, obrigado pela intenção, mas isto é um texto, uma história, para um concurso. ainda estou à espera do link da participação, para vos poder facultar e vocês votarem. Desculpa se te induzi em erro.
Gostei muito, tens talento!
ResponderExcluirVais fazer uma continuação? Gostava de saber como acaba. :)
Está muito bo :D
ResponderExcluirJesus, e o povo pensando que o Rick está com câncer. Quase morri xD
ResponderExcluirO texto está bem maduro, mas como é bem característico teu, ainda as palavras andam diretamente xD Faz mais um suspensezinho xD
Espero que não esteja doente hein...
Fantástico o texto, simplesmente fantástico.
ResponderExcluirSilvermist
ResponderExcluirAinda não sei se vou ou não dar continuação à história sinceramente, fiz a história por causa do concurso e nem pensei mais nisso, mas obrigado ;)
Marciano
Fico feliz que tenhas gostado
Ana
LOL foi só um pequeno mal entendido. eu tou aqui lindo e loiro xDDDD.
Obrigado ;)
Inês
Obrigada pelo elogio ;)
Já publicaste há muito mas só agora estou a percorrer os outros textos que ainda não li na participação de julho da Fábrica de letras. Gostei imenso do teu texto, muito mesmo!! Parabéns!
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